terça-feira, 29 de setembro de 2015

Fugindo dos Ogros




Capítulo 9: O ogro e o salto alto

Depois de toda a reviravolta necessária, pela qual estava passando, Amanda resolve, definitivamente, sair da casca. Não precisava mais ficar grudada em ninguém para se divertir, tão menos viver em função da ditadura da vida social. E nesse sentido, quando queria sair, saía e quando achava que um bom lugar para ler um livro e um dia frio, como diz Djavan, bastavam é isso que fazia!
Assim, seu olhar ficou atento para algumas situações que não conseguia enxergar antes, como, por exemplo, um casal onde ele, praticamente, arrastava a parceira, pois esta estava com dificuldade de andar, no meio do paralelepípido de salto alto! O ogro não tinha paciência, deixava bem claro que falou para ela usar um sapato baixo e que não tinha tempo para ficar esperando o andar de lesma dela. E ia ele na frente, quase como um homem das cavernas puxando-a pelo braço e ela tentando se equilibrar no salto. 
Amanda refletia sobre a situação: todo ser humano busca por afirmação. Uma mulher, nunca, usa um salto enorme para passar despercebida, ela quer ser desejada, adorada. E ela faz sacrifícios para isso, se incomoda tanto ao parceiro o fato de que o salto atrasa a vida dele, porque não buscar a mulher das havaianas. Há tantas mulheres e de vários tipos, se ele a escolhe ou ela se deixa ser escolhida, porque não valorizá-la em cada mínimo detalhe, venerando-a, como toda mulher gosta de ser venerada.
Quando a figura feminina consegue essa conjunção de intenções, sente o prazer de ser muito desejada por alguém que a admira até diante de suas futilidades, ela se abre para fazer desse parceiro a pessoa mais feliz do mundo. A protagonista agora sabia que buscava gentileza e que seu grande amor a pudesse achar bela, divertida e fácil de gostar do jeito que ela era, sem modificar-se em função do outro. 
Além do ogro e o salto alto continuou enxergando muitas outras ogrisses por aí à fora. Finalmente, pode enxergar o medo que provocava em alguns rapazes, pois eles se sentiam inferiorizados pela sua majestada. Eles fugiam dela, não porque a desprezassem, mas sabiam que ela era muito areia para o caminhãozinho destes.
E os ogros mais audazes eram meio que patéticos: pareciam um polvo, cheios de tentáculos e qualquer desculpa era desculpa para tocar. Sim, o abraço, o toque é um gesto muito bonito. No entanto, fora aqueles especialistas em abraço que vem crescendo bastante nessa sociedade líquido-moderna, abraço não é uma coisa que distribuimos para todo mundo. E esses pseudo carentes são sacais, porque impõe um toque a partir da pena, ou seja, se a dama não os abraça é porque são esnobes demais e estão rejeitando um ser humano. Ora! Ech! 
Amanda observava esses tipos e observava Rodrigo, sempre tão discreto. Sozinho, mas não fazendo disso pretexto para atacar todo o universo feminino e colecionar pessoas. Em contrapartida, ele também a estava observando, notou que todo aquele desespero, de ser caso de vida ou morte, conseguir um relacionamento, estava desaparecendo. A protagonista parecia mais centrada, serena, ciente daquilo que queria de verdade.
E nessa dança de olhares e reflexões a jovem ao sair sozinha já não achava o fim do mundo e percebia o quanto as pessoas andavam em pares. Quase uma Arca de Noé de tanto casal. O que ela refletiu sobre isso foi que como não era tão intuitivo assim encontrar um parceiro, então, poderia ser que as pessoas ficassem com as outras muito mais pelo medo da solidão, do que por um sentimento real de companheirismo. E isso de certa forma, era uma releitura dos romances antigos porque ao ser determinado pela família para um casamento sem amor, gerava-se toda a falha trágica que iria reverter em um final nos moldes românticos, mas que deixava um furo para o leitor que sempre quer um final feliz. Assim, a modernidade está inscrita nesse terror da solidão que obriga o casal romântico a ficar com o outro, sem amor. Nesse sentido, a história é ciclíca e tem repetido ao longo dos anos romances infelizes e trágicos, às vezes sob a imposição de pais castradores, outras por medo da solidão.
Diante dessas reflexões, Amanda admirava, ainda, mais o vizinho que não se deixava iludir por essas ofertas fáceis de cura da solidão. Ele tinha uma boa companhia em si mesmo e não se venderia por qualquer relacionamento que só traria dor de cabeça e não crescimento. Até que em um final de semana que a protagonista decidiu, de novo, não sair, mas curtir o aconchego do seu lar. Como estava muito quente desceu para comprar um tablito, pois não tinha estoque de sorvete nenhum e encontrou o vizinho comprando o mesmo picolé na padaria. 
Ela disse que ele estava sumido e ele percebeu que era verdade, não tinha notado e seu coração acelerou! Isso porque estava sumido por começar a nutrir um desejo que estava preocupado em lhe gerar mais encrencas que alegrias. E nesse papo casual ela acabou levando-o para seu apartamento, uma coisa perfeitamente natural para os dois vizinhos e amigos, mas não era mais natural e o coração dos dois acelerou.
Como estavam envolvidos não havia chance de um ler o outro e entender que o sinal era avance! E para qualquer ser que convive em sociedade dar esse novo passo, esse outro passo é aterrador e parece não haver solução para isso. Só que a natureza é sábia, ela criou uma criatura belissíma: a mulher! Extremamente sensual e que era a única capaz de romper com essa interdição social.
E foi assim que ocorreu, eles comeram o tablito, compraram mais dois potes no sabor napolitano e passas ao rum e subiram para caçar um clássico qualquer para assistir. Escolheram A princesa e o pebleu, em preto e branco, ao sabor do sorvete. Só que Amanda fez lambança e derramou o sorvete no decote que estava ousado e nem foi de propósito, pois era uma camiseta hiper-básica para ficar em casa. Depois de derramar o sorvete no decote ficou limpando e chupando o dedo.
Nesse ínterim, viu o olhar desejoso do amigo e aí não prestou... Ela encarou-o profundamente e se aproximou ofegante. Ele não conseguiria mais fugir, a presa estava cercada, não tinha para onde correr e sua única opção foi o melhor beijo que deu em toda a sua vida! Cheio de paixão e de desejo.
E no próximo capítulo queremos saber se isso vai dar em namoro ou vai ficar, somente, em um beijo sensual e provocante. Em Outubro!
Margareth Sales

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