terça-feira, 15 de agosto de 2023

DIA DOS PAIS


Nunca foi confortável! Um dia que éramos obrigados a mostrar afeto por uma pessoa que só sabia gritar e culpar. Tudo era responsabilidade do outro, todos os problemas e dores nunca eram culpa de si mesmo, mas dessa alteridade que sempre cobrava, que sempre pedia posições. A obrigação de suspender o ritmo da família para simular um afeto que não existia, pois do contrário, seria a exposição brutal da fratura. Exposta desde sempre, mas tacitamente negada para nunca entrar em contato com os verdadeiros sentimentos. Esses que são capazes de dissociar, de provocar uma ruptura no self ao se ver, de verdade. 

Quando a comemoração do dia dos pais cessara, há 21 anos atrás, foi um alívio. Não mais a encenação falaciosa de uma situação que nunca foi real, de um afeto que foi dilapidado pelos maus-tratos e pelas gritarias incessantes... Uma família com quadro sério de violência familiar, sob a égide do psicológico... 

Nesse último Dia dos Pais, como em alguns, no qual a maioria expõe afeto como posse, uma espécie de “eu tenho você não tem!” brutal, pois que nem todos tem, realmente. E, também, muitos que não tem perceberam de fato uma liberdade da violência e que, realística e secamente, foi a melhor coisa que lhes aconteceram. E nesse sentido, estes não fazem parte da festa.

E tudo bem! Pois a maturidade predispõe saber que não somos convidados para todas, mesmo aquelas de caráter universal. O problema é quando a festa invade suas narinas... O que nem sempre é preocupante, porque depois de uma boa refeição, ou mesmo, fazer um churrascão só para você e se trancar com seus filmes, seu videogame do final de semana. O amor pessoal tem essa característica de te fazer ser capaz de curtir só, consigo mesma! Tudo ok, mas citei as narinas... se o churrasco do seu vizinho não invadisse as suas narinas que não tinha o que comer nesse domingo e sabia que a segunda e a terça ainda seriam piores... 

A partir desse momento, que seu pensamento está confuso, por falta de proteínas; que é violento assistir um filme, pois eles comem o tempo todo, como que jogando na sua cara que você não tem, mas precisa... Você pagou as contas, mas não sobrou para comer... Então, você tem a luz elétrica para assistir qualquer filme, pois transvestindo-se de Jack Sparrow você tem acesso a todo filme que deseja assistir. Tem o jogo de videogame que você gosta, pois naquele momento que entrou mais dinheiro, que deu para pagar as contas e comer, você pode se dar ao direito de ter lazer e comprou seu joguinho: “A gente não que só comida, a gente que comida, diversão e água...” 

Você tenta esquecer que tem um buraco no estômago, divertindo-se, você esquece que ao levantar da cadeira vai se sentir tonto, afinal, já está na meia idade e está com fome. Por mais que ninguém veja, seu corpo treme por dentro e você sente isso, como um recado: estou com fome! E a noite rola de fome na cama... 

No final, você torce que o Dia dos Pais acabe o mais rápido possível para parar de sentir o odor do churrasco do vizinho que abate seu ânimo, mas sendo brasileira, você encontra forças para saber que o humor está deprimido (é muita fome), mas você vai tentar curtir o fim de semana, sem nada no estômago, porém alimentando o desejo com um bom jogo ou um filme confortável, de preferência que não apareça mesas fartas... 

Margareth Sales