terça-feira, 12 de setembro de 2023

CARTA AO BOLSA FAMÍLIA


 (Baseado em fatos reais)

Macabéa é unipessoal e precisou recadastrar o seu bolsa família, mesmo que o tenha feito há dois dias atrás. A iniciativa de passar um pente fino sob o unipessoal buscando revelar as fraudes era, totalmente, válida. O que Macabéa não percebia era a falta de dignidade ao qual foi exposta. A logística, da forma como foi feita era brutal! Filas quilométricas. No lugar do Assistente Social, quem preencheu a ficha, a mesma de sempre, foi um atendente, sem nenhuma empatia com o perfil de vulnerabilidade da população. Havia eficiência em pelo menos dois funcionários, uma das quais era Assistente Social.

Tudo pareceu normal para nossa personagem, ao entrar era perguntada a idade e, de acordo com a resposta, recebia um cartãozinho vermelho ou amarelo. Recebeu o vermelho e foi para uma espécie de “subsolo” lotada de pessoas famintas (literalmente), pois elas contavam isso. Diante desse cenário de “guerra”, sentiu uma coisa estranha, lembraria do Holocausto se tivesse seguido com a educação formal.

Tirando as devidas proporções, porque, obviamente, evocar o holocausto nessa situação sombria era natural ao nível do mal-estar, porém, há que se evidenciar as diferenças. De qualquer forma, o ambiente estava muito aquém da dignidade humana.

Quantas Macabéas no local e mesmo assim, foram elas que forneceram resposta para a logística absurda a que estavam submetidas: mais funcionários (óbvio) ou o atendimento na residência. A Assistência Social têm essa função, por que não usá-la? Indo a residência ficaria patente a fraude, daria para ver o quadro de unipessoalidade ou a mentira. 

Voltando ao sentimento violento que relembrava um holocausto: havia medo naquelas pessoas (Macabéas). Uma insegurança geral, as mentiras que assolam esse país: “Disseram que estamos aqui porque vão baixar os nossos rendimentos para 400 reais”. Era mentira, mas a personagem não sabia. Teve relatos bons: “Com a baixa dos preços, pude comprar, pela primeira vez em muito tempo, carne”.

Parte daquelas pessoas já tinham sido cortadas do programa, mais relatos: a usuária pagava 350 reais de aluguel e o que sobra, come. Como? A tristeza daquele ser humano em pedir para a dona da casa em que mora, segurar o débito, pois ela estava tentando reaver seu bolsa família. É super válido descobrir a fraude, mas penalizar quem realmente precisa é brutal!

Uma infinidade de relatos de pessoas cortadas e desesperadas, como se manter? Quando seriam reativadas, novamente? Macabéa estava apavorada. Como pagaria as contas? Como comeria? E seu cachorro-quente com coca-cola? Nada indicava que haveria suspensão, pois não havia fraude em seu caso, mas a mentira a dominou e perguntando a atendente, ela afirmou que aconteceria. Não aconteceu e quinze dias depois o dinheiro estava na conta, fielmente. A funcionária? Péssima, como tantos desviados de sua possibilidade de exercer algo que seja compatível com seu perfil. Obviamente, também deveria ter sido demitida e em seu lugar poderia entrar essa Macabéa que ao contrário da escrita por Clarice Lispector era uma excelente digitadora e, ainda, muito empática.

Não é possível alarmar uma população carente e vulnerável, não só financeiramente, mas socialmente, psicologicamente e outros “mentes”. É preciso responsabilidade social para que não se crie mais prisões mentais do que as que já existem na cabeça de uma pessoa vulnerável..

Margareth Sales