quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Setembro Amarelo

 

Vamos falar dessa máxima, antiga, redutora e arcaica de que alguns não trabalham... Passei minha maturidade, criando um perfil trabalhista para mim, a primeira razão: meu primeiro emprego fixo foi no CIEP, com crianças, no meio de uma depressão intensa, sem medicação, sem saber que, aliado a depressão, eu tinha Transtorno de Ansiedade Generalizada. Eu acordava 6 horas da manhã para estar no CIEP às 8 e eu sou noturna (isso é um perfil biológico - já tive médico me empurrando remédio goela à baixo para eu conseguir acordar cedo, não adiantou só piorou meu quadro clínico). Eu chegava no Ciep, antes de pegar os alunos na fila, e ia para o banheiro chorar. Eu chorava em sala de aula, eu não sabia fazer os alunos me respeitarem, como? Desiquilibrada do jeito que estava. Eu vivia angustiada, com dor emocional e não conseguia nem ficar acordada para ter lazer com o dinheiro fixo que ganhava. Esse dinheiro não dava para nada, obviamente que com salário fixo, eu poderia ter saído de casa, mas não havia como eu entender que essa possibilidade existia, pois a dor era maior do que o raciocínio lógico. Tentei através de psiquiatra, fornecido pelo estado, me encostar, claro que eu era muito nova (23 anos), mas qualquer profissional competente saberia que não tinha condições laborais, mas não, o idiota disse que eu estava bem! Eu era suicida (bem, pelo que sei para quem tem esse perfil não existe cura, nunca li, nunca aprendi com os profissionais da área de saúde mental que há cura!) como eu estava bem? Eu chorava com meus amigos da vizinhança, eu chorava 24 horas, eu sentia dor emocional, eu sentia medo da vida, eu já tive ocasiões de pedir as pessoas que me levassem até o ponto do ônibus, pois tinha medo de ir até lá, sentindo que um buraco se abria à minha frente e me devorava! Eu passei quase 50 anos com medo da minha mãe, do meu irmão, do meu pai, de alguns primos evangélicos...

Eu estou falando sobre trabalho ou sobre Setembro Amarelo? Os dois? O pior do sentimento de depressão aliado à ansiedade é não conseguir deter o corpo! Sabe aquelas cenas brutais de corpo caindo no chão depois de uma experiência de trauma? Sim, é assim que pessoas com dores emocionais se sentem. O corpo não contém, o corpo parece querer explodir, alguns depressivos conseguem ficar na cama e não sair dela mais... Não era o meu caso, meu corpo se agitava. Eu precisava andar. Disse para um amigo, uma vez: eu quero andar sem parar e não voltar mais, meio Forrest Gump. Eu não conseguia ficar em casa, me tornei evangélica para fugir de casa, para estar na igreja, para que Cristo matasse meus demônios emocionais (não adiantou, diziam que era falta de fé! Remeto a assertiva à cena da Carrie Bradshow defendendo a Charlote numa palestra motivacional dizendo que sim ela tinha fé), assim afirmo que sou uma pessoa de fé e que se fosse por fé, eu tinha me curado, com certeza!

A fé não me curou, a arte não me curou, tanto como não curou a Clarice, não posso defender isso na minha dissertação, mas no meu facebook posso falar achismos. Portanto, a arte nunca curou o artista: VanGogh, Kafka, Virgínia Woolf e tantos outros, Vivienne Haigh-Wood, primeira esposa de T.S.Eliot foi tratada como louca porque possuía um distúrbio menstrual intenso, ou seja, a ciência tem avançado no conhecimento das doenças psíquicas e deixando para trás o estigma de loucura. Com a arte fui, aos poucos, aprendendo a trabalhar meu humor e criar para me sentir melhor, emocionalmente. Nesse sentido, foi só durante a década de 90, depois de largar o estado, passar pelo shopping, como vendedora, comprar meu primeiro computador em 1995, sem emprego fixo, que passei a trabalhar em casa das mais variadas formas possíveis como autônoma. No passado, algumas vezes ajudando meu irmão na gráfica, no qual ele recebia, era independente e eu só a mulher que tem que ajudar a família, mas sem ganhos! Meu pai me ensinou a imprimir na máquina manual e na gigantona, aquela anterior a offset, mas possivelmente porque não iriam me pagar para eu trabalhar eu não fui à frente, nunca aprendi a montar os tipos para fazer a chapa, me sentia burra, achava que não conseguiria. A gráfica passou do meu pai para meu irmão, ele ficou com o dinheiro e eu era estigmatizada de vagabunda, pois só estudava!

Havia uma possibilidade, eu ir à rua pegar clientes, como fez meu irmão a partir dos 9 anos de idade. Nesse sentido, o irmão mal, também precisa ser exaltado, pois tem suas qualidades, enfrentou a vida a partir dos 9 e sempre foi vitorioso, até mesmo no casamento que muitos fracassam, ele têm uma família linda! Porque não ia a rua procurar clientes? Simples (sarcasmo)! Fui ensinada que era burra em matemática e tinha medo de fazer os cálculos de cobrança! Porque então aos 48 anos de idade eu aprendi a fazer tais cálculos e se você me pedir um banner de 1m por 22cm eu sei fazer o cálculo? Porque mesmo sendo de letras, nunca fui burra em matemática, somente aceitava o que diziam que eu era, identidades roubadas! E o resultado foi pela primeira vez entender que estava começando a fazer dinheiro em gráfica, como minha família de muitos gráficos e por isso voltei a ter crédito na praça e comecei a reformar, comprar e veio a pandemia... Começo, primeiros passos, primeiros clientes, Bankruptcy!!!

Nesse sentido, meu trabalho sempre foi criação, sempre foi arte e não tem como dizer que porque não vou a rua procurar clientes em um momento pandêmico não trabalho. Se não trabalhasse, voltaria para o quadro clínico que me remete a depressão. Insisto que em 98% da minha vida diária não sinto depressão, me sinto perfeitamente adaptada ao isolamento social, não surtei, entendo que a maioria surtou. Não é meu caso, mas sim continuo sentindo ansiedade intensa, mas sei trabalhar com ela e Pânico, brutal, desconcertante e me acorda em darkness profunda que se dissipa em função do trabalho diário, ao sentar no computador volto a me sentir bem. Não me sinto sozinha, mas quando converso com amigo, vejo a necessidade de gente e desato a falar feito papagaio.

Concluindo... o que levou para longe a angustia depressiva? O tratamento no Centro de Orientação a Mulher (CEOM) aqui da cidade e fui encaminhada em uma entrevista de emprego (2015) para pedagoga, pois quando ela perguntou para mim quais as minhas qualidades, desabei a chorar! NUMA ENTREVISTA DE EMPREGO?! Alôooo!!! E a Marisa disse: "você é vítima de violência familiar" vou te encaminhar para o CEOM e eu respondi que tinha aula na UERJ, não podia faltar (não falto aula), ela não "deixou", disse que eu não poderia ir estudar sem conversar no CEOM, ligou, a prefeitura daqui mandou um carro me buscar e me levar ao CEOM. Entrei em um tratamento com assistente social, advogado, psicólogo, além da sexta básica para quem está em vulnerabilidade financeira. Já no começo do trabalho, a depressão foi a primeira a dar tchau... Ao longo do tempo e por uma leitura de mundo atenta (Ah! Paulo Freire, te amo), coloquei para o meu psicólogo que achava que tinha TAG e procurei um psiquiátrica. Não deu outra, entrei na medicação e descobri no Ambulatório Nize da Silveira um grupo chamado loucos pela vida. O que seria isso? Um grupo de apoio para suicidas e aí eu finalizo com Setembro Amarelo: "Não me perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti!" - John Donne. Cada vida é especial, os suicidas não estão com fogo no rabo, muitas vezes não entendem quando você fala que passou pelo mesmo e deu conta, pois possivelmente eles só darão conta com terapia + medicação. Suicidas não ficam bem quando são ameaçados de mármore do inferno, mas o inferno não é quente? O inferno não está destinado aos suicidas e que me desculpem os amigos evangélicos se vierem postar assertivas de fé tresloucada, pois serão apagados! A fé não salva suicidas, a força de vontade não salva suicidas, como não salva alcoólicos, quem trata alcoolismo só o AA e suas divisões. Empatia ajuda, mas não trata. Nos meus 49 anos só conheci duas músicas que esclareciam perfeitamente o suicídio e quem fica e as duas são de Pitty: Pulsos e Lado de lá e elas não deprimem! Me ajudam no momento que me sinto suicida e só me sinto suicida, atualmente, quando a má política tira direitos essenciais! A música pulsos fala para guardar as linhas horizontais e tentar achar que é todo mal, exercitando a paciência, mas ao dizer que os pulsos são a saída de emergência, a música livra do peso de achar que é um erro o suicídio! Para o suicida o suicídio não é um erro, mas uma saída! E não sei dos outros, sei de mim que quando a dor era atroz, lá atrás, eu imaginava um outro mundo em que não doesse tanto! Mas quem vai dar o salto? Quem vai descobrir se é ou não? Kurt Cobain não voltou para contar, nem Virginía Woolf, muito menos Walter Benjamin! E a música Lado de lá, confirma a assertiva de que há dúvidas sobre o lado de lá, ao mesmo tempo em que "e levou de mim aquele talvez rir de tudo no fim", ou seja, foi brutal ao tirar da pessoa do lado de cá o convívio, o amor, mas quem está do lado da vida tem a esperança em rir de tudo no fim... Nesse Setembro Amarelo para ajudar o suicida deixe o telefone/messenger/whastsapp aberto para ele, ouça sem julgar, não minimize a dor do outro, não se compare, pois somos infinitamente diferente de outros. Não dê conselhos, só quem está habilitado a dar feedback são os profissionais de saúde mental, até os profissionais de saúde física precisam encaminhar se sentirem que o paciente pretende adiantar a viagem para o lado de lá!

Margareth Sales