segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Crônica de uma morte anunciada

Texto Inédito

Você passa por aquela loucura de achar que vai morrer porque sua pressão é muito alta, quando vai ao pronto-socorro é atendido de urgência. A cara das pessoas que vêem o resultado numérico de sua pressão é “putz! Já era!”. Só que, interiormente, reconhece... é a sua vida, seu organismo se adaptou a ansiedade que gerou a pressão alta e remédios não adiantariam, pois é o seu quadro clínico e, possivelmente, vai viver até quase 90 sem medicação e com a pressão alta, porque a tia vive assim... Não é só a tia é uma leitura de mundo, na qual fica claro que apesar da medicina ter evoluído, também gerou as doenças! Pressão alta é contemporâneo, mas quando não havia a urgência em se prevenir a pressão, muita gente sobreviveu!
         Entretanto, você cede à mídia e consulta o cardiologista depois de anos vivendo sem medicação. Afinal, ficar zureta (tonta) todo o dia, confusão mental no sentido físico, pescoço repuxando, formigamento no pescoço, ser acordada de madrugada com taquicardia, começam a te assustar. Te assustam porque aos 47 anos de vida você vive sua melhor história: liberdade, amor de verdade, cuidado pela sua casa, crescimento pessoal em todos os níveis! O medo de morrer então agrava os sintomas. E o resultado da ida ao médico: atenolol 25mg de 12 em 12 horas e losartana 50mg pela manhã, primeira coisa que passa pela cabeça “estou velha”; segunda coisa, pelo menos vou parar de me sentir bêbada todo tempo! Mas nada mudou... Possivelmente sua pressão está mais alta, por quê? Mesmo com a medicação sua pressão chega a 15x9 na segunda-feira e no domingo de carnaval depois de você passar pelo bloco sua pressão está a 18x10!
         A parte séria da piada... testamento: deixo meus livros para meus amigos, se é que restou algum... Porque PQP essa história de só achar legal quando eu estou bem, já deu, né? Eu estou bem, porém segundo a medicina com altas probabilidades de AVC e infarto, altas significa se eu sumir 12 horas trate de me procurar, pois posso estar gelada no chão da minha casa (p.s: amo humor negro... se você também gosta assista Dead Like Me – fantástica – precisamos rir da morte, para Cazuza “Eu vi a cara da morte e ela estava viva”! Em segredo: também vi a cara dela essa semana! Ontem meia dúzia delas me acompanharam 23h30min enquanto eu saia do bloco e ia para a Emergência! Quase me misturei com elas, o roxo... a foice... mas não fui porque a cara era do Pânico! Porra, a minha morte não é assustadora, a foice e o roxo eu aceito, mas a cara poderia ser da caveira, seria mais amigável do que a do Pânico! Ou um anjo gostosão, Jesus Cristo bondoso, pode ser! Acredito que tem alguma coisa depois da porta, partes da Bíblia, a Bíblia em si não, não é isso que está depois da porta!
         Voltando ao testamento... deixo os livros e filmes, aos meus amigos, aos verdadeiros. Não sou eu que sei quais são os verdadeiros, são eles que sabem! Porque meu coração é dado, minha ternura é grande, minha porta é aberta, mas deixei muita doença entrar por causa da minha própria e porque a patologia não me assusta, me instiga e fui solidária com os doentes e patológicos! No entanto tiveram os abusos... e tive que dizer “Dos cegos do castelo me despeço e vou”, por isso no meu testamento não há “deixo para fulano e cicrano”, porque adotando Lacan que se nomeie os meus amigos reais, pois não me atrevo a nomeá-los! Deixo a consciência de cada um decidir quem são! E se eu sobreviver... um esforço para me conquistar... se quiserem... porque não importa! De tudo o me restou, restou a mim e esse é o meu melhor presente e tento cuidar de mim mesma com o melhor possível, sempre que vou a cozinha preparar, faço a refeição dos deuses, pois meu corpo merece, eu mereço! Amo sentar à mesa que conquistei, com a organização que conquistei, com o dom de cozinhar que conquistei e o cuidado pela minha casa que conquistei e saborear uma excelente refeição feita por mim!
         Deixo livros e filmes, pois são a melhor parte de mim. Todo o resto vai para o meu irmão e sobrinhos que amo! Tudo: os vários computadores, impressoras, tecnologia que é o que mais tenho, todas as outras informações e o que pode rendem muito dinheiro também, ou seja, MEUS ESCRITOS, são todos do meu irmão para ele vender e para eu ser mais uma estatística, famosa depois de morta!
         Só que mesmo com a pressão beirando o absurdo e o povo da área de saúde interpretando o quadro de Munch, não acho que vou morrer! Acredito que vou superar e serei daquela elite rara que vive bem da escrita e com a escrita que tornou-se famosa antes da morte! E os médicos... vão perceber que existem milagres para além dos medicamentos. Por último, “eu vou botar meu bloco na rua” nessa segunda de carnaval!

Margareth Sales

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