Diferente dos artistas que aqui se
apresentam, não sou poeta ou poetisa. A minha escrita é a prosa. Segundo Otávio
Paz:
A prosa, que é primordialmente um
instrumento de crítica e análise, exige uma lenta maturação e só se produz após
uma longa série de esforços tendentes a dominar a fala. Seu avanço se mede pelo
grau de domínio do pensamento sobre as palavras.
No entanto, toda a linguagem
literária é uma linguagem artística e a arte rompe com o senso comum. Senso
comum é aquela forma de pensamento que só repete e perpetua o já dito.
Portanto, a arte diz diferente, desconstrói a pseudo-normalidade trabalhando
nas margens ou com as margens. Ou seja, tudo o que se situa fora do centro.
Fora da dita normalidade, inexistente.
Vivemos em um momento de ruptura dessas ditas “normalidades”.
Momento que se trabalha com a diferença e onde o foco é o diferente. E é nesse
momento histórico que se encaixa o meu novo romance, sendo lançado,
oficialmente, nesse espaço. Um romance que desconstrói a figura mítica da
maternidade. Não para apregoar a inexistência de mães boas, mas tal qual
Winnicott mostrar o contraponto: a mãe ruim, doente, que não escolheu ser mãe e
que não assume bem esse papel.
E só podemos conhecer essa mãe, por
meio do protagonista do romance, seu filho: José! Através de José que se lança
um holofote sobre a perversidade materna, veículo condutor de uma violência
doméstica que despersonaliza o filho, roubando-lhe a identidade. Segundo Lya
Luft: “Nem toda mulher nasce para ser mãe, e nem toda mãe é mártir. Muitas são
algozes aliás”. Na página 7:
Nasceu macho. Essa foi a única alegria
que deu a sua mãe. Seu nome era José, como o da Bíblia, pois sua mãe era uma
católica fervorosa, dessa forma se auto-denominava. Por isso, abominava ter
sido tocada pelo marido e desse fruto gerado um filho. Mesmo assim,
orgulhava-se de dizer aos vizinhos que o filho era homem. Não se aproximava da
criança, a não ser para cumprir o seu papel de mãe devota, mas não o cumpria
tão bem assim... E tinha a si mesmo em alta conta por ser tão resignada com o
que o destino mal lhe reservara.
Por não ter ancorado a identidade do
filho, o criou perdido, buscando, desesperadamente, o amor dessa mãe. Como se o
problema da falta de amor estivesse na criança inocente?! Na página 29: “José
voltou para casa, quebrado, mas lutando contra isso, tentando lembrar que
conseguiu muitas mulheres e com raiva da maldade delas. E profundamente
humilhado por voltar à casa da mãe”.
Diante disso, nem sempre o retorno
ao lar é a salvação, às vezes, a fuga é a solução mais saudável. Uma figura
ferida em sua mais tenra infância e que tenta se reconstruir ou construir?
Porque na página 85:
Punido, rechaçado, humilhado eram as
únicas certezas de personalidade que o protagonista possuía. Muitas vezes
pensava sobre si mesmo e imaginava quem era fora desses sentimentos. Nem no seu
melhor relacionamento, se sentiu de verdade, somente tentava-se agarrar com
todas as forças.
Buscando nessas outras mulheres o preenchimento do vazio qua
a primeira mulher de sua vida lhe tinha imputado, viveu só fantasias e ilusões,
não pode ou não conseguiu construir de verdade.
Andava assim no meio das chamas e do
inferno. A pergunta que faço para aqueles que, ainda, não tiveram a experiência
de mergulhar nessas páginas é se na página 88: “Havia uma construção de
desamparo e tragédia fortíssima em sua mente que sem um tratamento terapêutico,
seria muito difícil desaparecer, assim, do nada”. Qual será o caminho para
tratar as vítimas da violência doméstica? Pois na página 115: “Diminuindo sua
autoestima, prejudicou bastante o seu pleno desenvolvimento...”.
O livro, então, é a jornada de José para
descobrir sua identidade, mas será que ele consegue? Assim, deixo a pergunta
que nosso grande poeta Carlos Drummond de Andrade fez: “E... agora José?”
Margareth Sales
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