segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Análise do texto dramatúrgico Medéia através da Poética Aristotélica e a evolução do gênero feminino considerados pelo viés psicanalítico da histeria freudiana



Texto feito para avaliação de Teoria Literária 1, modificado e acrescentado para o blog.

O gênero da peça de Eurípedes, Medéia, é dramático e drama no grego significa ação. Sendo essa peça, antes de tudo, um texto escrito, é híbrido quando mistura escrita para teatro e obra literária, podendo ser lida ao invés de vista; assim, pode-se escolher entre ler a obra impressa ou assistir. O texto dramatúrgico apresenta plurimidialidade, pois trabalha com duas ou mais mídias, demonstrando a natureza híbrida que há entre texto e encenação. O leitor, de início sente estranheza, ao ler um texto que foi feito para os palcos, mas supera-a pela natureza estética dessa criação literária, pois o texto provoca reflexões.

Para Aristóleles, o gênero dramático é representado de três formas: pelo meio, que diz respeito à língua e a música; pelo modo, que é a forma como a peça será encenada; e pelo objeto, feito a partir da ação e dos personagens. Além disso, o filósofo apresenta a regra das três unidades: o tempo e o espaço devendo ser realizado na duração de um dia e em mesmo local; e a ação impreterivelmente com começo, meio e fim. Essas didascálias Aristotélicas primavam por um modelo grego de realização artística. Hoje se reconhece que o método imobiliza a investigação, tornando-se apenas reprodutor de conceitos, ou seja, as possibilidades de criação e recriação são maiores!

Em Medéia pode-se analisar o gênero dramático através da nomenclatura de Aristóteles, como: a peripécia, o reconhecimento e o patético, quando Medéia promete que não fará nenhum mal a Jasão e a sua noiva e ocorre a reviravolta das ações, em que a protagonista mata a noiva e o pai da noiva. Logo depois acontece o reconhecimento, no caso do texto de Eurípedes ver em Medeia a força de sua ira e tem-se a consciência de que foi ela que praticou a ação da peripécia. Finalmente, o patético, que é a ação que produz a destruição e o sofrimento: no texto de Eurípedes, é a morte dos filhos de Jasão que causa dores cruciantes.

Ainda nessa linha de raciocínio, Medéia ocorre dentro da regra das três unidades de Aristóteles. Isto é, a duração do texto foi de um dia, em que Creontes expulsa Medeia de Corinto e tudo acontece no mesmo local: a casa da protagonista. Desenvolvendo na trama um começo, quando a ama conta da tragédia que se abateu sobre a personagem; o meio, a decisão de Creontes de expulsar a esposa de Jasão da cidade; e o fim, a subida no carro de sol com os filhos mortos.

A hybris, ou, situação que sai do controle no texto, torna-se desmedida, provocando a vingança que, para Aristóteles, não atinge o fim pedagógico da peça, para o filósofo a catarse seria a punição de Medéia. A ausência de punição para com a personagem é a nemesis, lembrando que tal nemesis ocorre quando da interferência de um deus ex-machina fazendo com que a hamartia, que é a falha trágica, ficasse sem punição, pois outra ação não esperada se interpôs e a personagem subiu em um carro do sol com o corpo de seus dois filhos.

Esse tipo de atitude feminina ainda existe nos dias de hoje e com características fortíssimas da histeria freudiana, mas que segundo o compêndio psiquiátrico DSM-IV não existe mais na contemporaneidade. No entanto, em pesquisas percebe-se que a histeria não acabou, sendo uma manifestação de uma cultura, evoluindo para o comportamento boderline. Medéia era limítrofe, ia até o fim por suas obsessões (e o fim foi a morte dos próprios filhos). Estava presa a um código de ética, da época, onde toda a sua ajuda a Jasão seria retribuída pelo casamento e jamais a dissolução desse!

Personagens mais modernas como a Emma Bovary (Madame Bovary do Gustave Flaubert) também apresentava essas características histéricas, essa personagem muito mais do que Medéia mostra a força com que se priva uma mulher de seu verdadeiro eu. Emma Bovary era um misto de mulher de sua época com todos os nãos que tentava embotar seus verdadeiros desejos e a mulher mais contemporânea que faz os desejos serem realizados. Essa mulher tão bem descrita no livro 'O segundo sexo' de Simone de Beauvoir que perde parte de si em função de uma cultura que a prende dentro de um matrimônio. O caminho do gênero feminino para aquelas mais questionadoras não poderia deixar de ser a histeria, pois trabalhando com o não que a cultura transmite e o desejo, as moças acabam por se fazerem cindidas.

Nessa linha, apresento a minha personagem, de meu novo romance: a Beatriz do 'Entre Modernos Mal-estares' que não é punida com a morte, nem precisou matar filho nenhum. Mas que ainda luta com a hipocrisia moderna em torno da figura da mulher, a mesma mulher que Beauvoir cita, a “boazinha”, feita para o sacro-santo caminho do matrimônio. Por isso, ainda na linha do mal-estar da civilização do Freud e o Mal-Estar da pós modernidade do Bauman, luta com esteriótipos de uma época que só fazem adoecer a condição humana e, principalmente, ainda a condição feminina, prendendo-a em pré-conceitos que lembra a Woman in chains do Tears for fears e não a deixam completar, viver a sua verdadeira vocação: ser mulher sem as imposições de uma característica cultural de gênero!
Margareth Sales

REFERÊNCIAS:

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – DSM-IV-TR. Manual Diagnósticos e Estatístico de Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed, 2002.

ARISTÓTELES. A Poética Clássica. São Paulo: Cultrix, 1990.

BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.

BEAUVOIR, Simone. O sexto sexo: 2. Fatos e Mitos. São Paulo: Círculo do Livro, 1986.

EURÍPEDES. Medéia. Lisboa: Inquérito, 1973.

FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. Paris: Librairie Generale Française, 1978.

FREUD, Sigmund. O mal estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1997.

SALES, Margareth. Entre modernos mal-estares. Rio de Janeiro, 2012. Nº de Registro: 567.398, Livro: 1.082, Folha: 463
 

2 comentários:

  1. Estou alegre por encontrar blogs como o seu, ao ler algumas coisas,
    reparei que tem aqui um bom blog, feito com carinho,
    Posso dizer que gostei do que li e desde já quero dar-lhe os parabéns,
    decerto que virei aqui mais vezes.
    Sou António Batalha.
    Que lhe deseja muitas felicidade e saúde em toda a sua casa.
    PS.Se desejar visite O Peregrino E Servo, e se o desejar
    siga, mas só se gostar, eu vou retribuir seguindo também o seu.

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    1. Obrigada António, adoro novos leitores e seja bem-vindo.
      P.S: Sou Pedagoga e voltei para a graduação fazendo Letras. Então, as últimas postagens tem sido provas e textos da faculdade! \o/

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