quinta-feira, 17 de junho de 2010

O que você não sabe sobre os grandes desabamentos que ocorreram no Rio de Janeiro

Todo mundo já esqueceu da grande tragédia que aconteceu no Rio de Janeiro a pouco tempo atrás? Bem, a maioria esqueceu mesmo, mas nem todos, aqueles que ainda sofrem as consequências do que ocorreu não esqueceram e não esquecerão tão cedo!

Falar sobre as condições atuais da sociedade brasileira, não é novidade nenhuma para quem conhece os meus textos. Porém, novas formas de vivência, de comportamentos se apresentam ante ao meu olhar crítico. Assim, desde essa grande chuva venho observando alguns movimentos sociais diferenciados e, com isso, o desejo de compartilhar a minha visão com o meu público leitor, para tal é preciso levar em conta algumas pressuposições.

Vamos a elas: as chuvas foram de verdade um momento intensamente trágico vivido em nosso Estado, pude perceber que abalou os corações mais frios, dessa vez as pessoas puderam, realmente, se colocar no lugar do outro e isso foi feito porque não foi só o morro do Bumba que foi atingido. Isso se verifica porque a natureza não é feita da mesma substância que fomos feitos, tanto eu quanto a natureza temos por semelhança o fato de que somos seres vivos e como tal a terra é chamada de Gaia, mas mesmo assim ela não faz nenhuma distinção entre sexo, poder aquisitivo, cor ou idéia, ela é implacável e leva a todos, sem distinção.

O segundo pressuposto é o fato de que vivemos numa sociedade brasileira onde se impõe a característica de pobreza a um contigente muito grande de pessoas. E quando não se têm acesso aos bens de consumo produzido em sociedade tudo fica mais difícil, não quer dizer que é necessário agregar capitalismo selvagem em nossas vidas, mas que se saiba que é preciso adquirir sim bens de consumo que a vida fica mais difícil quando não se tem acesso a eles...

Ampliando o pressuposto anterior essas mesmas pessoas são a parte mais sofredora da sociedade, ainda que haja muito dinheiro com algumas pessoas e essas também nem sempre se encontram saltitante de alegria, com certeza é mais fácil sofrer em Paris com a enorme bagagem cultural que essa apresenta do que na Rocinha... Então, numa correlação com o todo, entre ricos e pobres, quem mais sofreu com as grandes chuvas ocorridas no estado a poucos meses atrás? É retórica, não precisamos responder...

A partir desse ponto eu começo a discorrer, em função de uma sociedade oprimida, massacrada, destituída de seus direitos mais básicos e no momento em que o ocorreu com o meu irmão do outro lado da pirâmide sócio-econômica a mesma coisa que ocorreu conosco, nesse lado (observação, não me encontro tão nesse lado assim... mas minha casa nada sofreu). O homem sentiu na pele o amor ao próximo como a si mesmo, assim ele pode se compadecer do outro de forma a se voluntariar a correr atrás de recursos para devolver um pouco de dignidade ao outro, porque a sua própria foi abalada.

Esse tipo de movimento gerou em contrapartida um outro movimento, um que não poderíamos supor, mas que na realidade faz parte de nosso referencial preconceituoso em nossa relação com alteridade. E que tipo de situação seria essa? O fato de que o preconceito que temos com o pobre, o excluído e o sem cultura veio a baila e porque será que isso ocorreu? Porque a premissa da seleção natural se fez tão forte no acontecimento dessas chuvas? Diversos ângulos podem ser analisados: o antropológico, o social, o psicológico, o espiritual, mas como só tenho espaço para uma crônica, não um livro, me deterei em alguns pontos.

Como dito anteriormente, vivemos em uma sociedade onde se o bêbado nos pára e começa a falar aquele monte de coisas sem sentido, e isso ocorre! Gela até a alma, mas é necessário observar que esses mesmos bêbados que ficamos com medo de sermos assaltados por eles, nada fazem, exceto serem muito chatos, quer dizer não são perigosos, mas a sociedade tem medo deles. Na realidade, temos medo de qualquer estranho que se nos aproxime e aí ocorre uma fato inaudito, um montão de estranhos perdem tudo o que têm, suas casas caem e eles vão para perto de nós, para nossas escolas e, num momento de grande enlevo e compaixão humana optamos por sermos voluntários para ajudar aqueles que tanto sofreram.

E aí que ocorre o embate e é desse que venho falar nessa crônica, porque apesar de não ter sido diretamente comigo, pude estar no mesmo ambiente que os desabrigados e receber todas as informações do que estava ocorrendo. Bem, me coloquei então no papel de repórter investigativa e o que eu descobri? Coisas que me gelaram os ossos muito mais do que os bêbados transeuntes que tenho encontrado ao longo de minha vida.

Colocação intensa a minha acima, né? Ai você caro leitor poderia pensar: “que exagero”, “nem se compadece dos que sofrem”. Por me compadecer é que levei muito tempo para tentar entender o que ocorreu de verdade e colocá-lo aqui, então as informações são as seguintes... Um dos grupos de desabrigados de Niterói foi para o colégio Municipal Paulo Freire, no Fonseca, nesse colégio funciona o pólo regional do CEDERJ, que é o local onde as universidades federais disponibilizaram o espaço para que estudantes da modalidade a distância realizem sua graduação.

Nesse pólo, ao ir assistir aula depois que as chuvas pararam, entrei em contato com o contigente de desabrigados por todo o prédio. Em minha visão romântica, mas bem romântica mesmo, achei legal eles reunidos a noite no pátio tocando violão, tive vontade de estar ali com eles, me mandaram ceder minha casa e trocar de lugar, como eu disse, estava numa visão muito romântica mesmo!

Ao longo do tempo que eles estiveram ali e que tivemos que ocupar o espaço fui sabendo de outras situações: ameaças para com a diretora da escola, casais sendo pégos transando no elevador, gente largando o emprego porque no abrigo tinham “tudo”, no caso, roupa, comida em horários pré-estabelecidos, casa e etc. Como havia um controle da comida, a direção da escola foi ameaçada e junto a isso a ameaça de arrombamento da cozinha onde estavam a comida para fornecer aos desabrigados. Os voluntários eram achincalhados sobre a premissa de que estavam sendo pagos para fazerem tudo pelos desabrigados... Pagos? Quem pagou, só se for o pato?!

Por isso, a escola Paulo Freire destituída de sua principal função, fornecer educação de qualidade para as séries iniciais fez um abaixo assinado onde pudessem ser removidos os desabrigados para que as aulas voltassem.

A minha pergunta: com todo esse sofrimento, toda a dor que o Rio de Janeiro passou, qual foi a lição aprendida? Para mim mais uma vez ficou nítido que é a educação que sempre leva a pior, primeiro no sentido de que tirou-se as crianças do seu lócus, depois porque colocou no lugar gente que se aculturou, que diante do imenso descaso social, o meu também, diga-se de passagem, não fornece cultura, ou seja, não modificam em nada o ambiente natural no qual se encontra, a não ser que seja para pior.

Palavras duras? Com certeza, mas com a mesma implacabilidade que a própria natureza reclamou o seu legado. Frio o texto, sim também. Mas se encontra frio para chocar, para dar o seu grito de alerta: não adianta nascer, tem que participar! Então, eu preciso me assumir como cidadão consciente e reivindicar sim a escola e não o frango da despensa que se “roubado” hoje amanhã não mais terá. Sei, obviamente, que todo esse descaso dos desabrigados com quem lhes ajudou é apenas um mecanismo de defesa, contra esses mesmos que lhe estendem a mão e lhe tiram quando podem. Mas mesmo assim não é desculpa para não desculpar, num sentido mais amplo não perdoar, a si mesmo por ter tanta raiva de um mundo opressor e injusto, ao outro por contribuir para que esse status quo continue e ao todo que parece fazer seleção natural mesmo, só os mais fortes ficam... Há que se perguntar quem de verdade são esses mais fortes?!



Margareth Sales

Um comentário:

  1. Acredito que só a "educação" pode mudar a sociedade! Mas a culpa da falta de cultura é únicamente do governo. Em caráter emergencial tiraram algumas pessoas das áreas de risco e colocaram nas escolas. As crianças ficaram sem aula, mas, como se preocupar com crianças sem aula se tinham famílias inteiras sem teto? Essas famílias perderam tudo (casa, roupa, entes queridos), e foram jogados como animais em ambientes nada próprios para familias, logo, tornaram-se animais com instinto de defesa... Acompanhei de perto toda esta situação (minha prima ficou soterrada e a casa da minha mãe foi interditada), trabalhei como voluntária e nunca sofri nenhuma ameaça ou qualquer tipo de constrangimento. Mas vi de perto que essas pessoas precisam de lares e que tudo o que elas mais querem é voltar pra casa, qualquer casa. O único sentimento que tenho é dor. Dor de ver as pessoas sofrendo tanto.
    Não culpo os Governantes pelas chuvas, culpo sim pela falta de interesse no pobre. Até agora nada foi feito. As pessoas perderam tudo e ganharam direito à aluguel social por seis meses. E o que vai ser das pessoas depois deste tempo? Vão construir casas? O que será dessas crianças que estão vivendo dentro de quartéis do exército?
    Triste demais.

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